Filosofia da Paisagem | Pesquisa

Paisagem, de Jaime Rocha

Fico cego com a paisagem,
com o rio que passa sobre as pedras.
Cego com o silêncio daquela ponte
e com a presença dos xistos que
escondem as casas. Cego com
os cabelos e com os pássaros.

Cega-me a memória dos mortos
e as filas de oliveiras que sobem
pela encosta até às nuvens.

A cegueira é um vale quase despido
de urzes, é uma rua estreita invadida
pelas cabras por detrás de uma romãzeira.

Quando olho os grifos nos rochedos,
penso na cegueira dos morcegos _______
na solidão dos limoeiros
e nas algas verdes.

Há um mundo redondo à minha
volta, uma idade onde meto
as árvores e os gestos.

Fico cego não só pela água e pelo cimento.

Acontece que há uma forma e uma sede
construídas pelas árvores e pelas colinas
e tudo caminha para uma felicidade
estranha, para um tempo selvagem
como se todos nós nos fôssemos
encontrar no outro lado da sombra.

E depois há a cegueira das aves
e do amor, a cegueira dos cabelos
caindo sobre os móveis. Caminhamos
em cima de um longo gerânio, tapados
por um véu e os nossos corpos ficam
quietos ouvindo as palavras ________,

construindo o sol, a pouco e pouco,
como se as formigas nos saíssem
pela boca levando com elas um sinal,
um olhar definitivo, um pensamento.

Fico cego com a paisagem.

Casa do Cerro, Foz do Cobrão, Setembro de 2012
in Poesia, Um dia (2012/2013), Companhia das Ilhas (2014)

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