Filosofia da Paisagem | Diário de Bordo #01

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imagem: Tiago Moura/DR

todo e qualquer acto criativo é um recorte profundo na imensa paisagem interior do indivíduo. digo “luz” e a sombra emerge , como que por propulsão, para a desenhar melhor. as coisas que antes ali estavam, habitantes do espaço, tornam-se agora, elas próprias, espaço. posso agora entrar nelas e elas em mim como quem dialoga com o espectro, luminoso e sombrio. “FIAT LUX”, mandamento criativo, e ouve-se agora a voz de um deus desconhecido tornado homem que faz o mundo mover-se como quem sopra por uma palhinha uma bebida com gás (e o gás move-se, como sombra, como luz). o ominpresente e ominpotente deus abandonou o trono celestial para passar a ocupar uma cadeira de esplanada. senta-se agora ao lado dos homens e com eles partilha rotinas e rituais, como quem vive a sua própria criação. a observação das coisas, a percepção da realidade torna-se num exercício minimalista: olhar tudo e todos sob uma premissa simples e concisa – sombra e luz. e a ficção começa a emergir. digo “FICÇÃO” e a realidade emerge como que por propulsão. ei-la novamente disposta à relação e eu, que agora escrevo, inicio-me na partilha do sensível com o “outro”, sem rosto, indefinido ainda e sempre por vir, o espetador, a sombra. há um poema que se escreve continuamente e que o próprio autor parece condenar a não se concluir, jamais. em vez de o fazer “luz” deseja-o sempre “sombra”, esquivando-se eternamente à clausura conclusiva; desaparece pelas esquinas de prédios para mais tarde surgir numa nova fachada, já transmutado em algo que se inicia novamente. no dorso de um felino, o poema, ondulante, desaparece – viagem da luz, regresso da sombra. movimento perpétuo; vida e morte confundem-se e andam por aí feitas gato e rato. nada mais terá aparência definida neste mundo disforme, só vultos, só átomos. última sombra, última luz. perpétuo movimento.

texto: Nuno Leão

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